

À procura de um cover-up
Das polêmicas que envolvem o universo das tatuagens, uma merece destaque: e se a pessoa se arrepender depois? Uma pesquisa feita no Reino Unido mostrou que uma a cada três pessoas tatuadas na Grâ Bretanha havia se arrependido de ter feito tatuagem, enquanto na Itália, uma a cada sete. No Brasil, um censo feito com mais de 80 mil pessoas mostrou que cerca de 8,8% de remorso.
Dentre os motivos de lamento estão as tatuagens feitas quando muito jovens ou a escolha de um lugar ruim para a realização do procedimento. Outras razões listadas por tatuadores² são fazer por impulso, declarações de amor, desenhos da moda e desenhos mal feitos, frases em idiomas desconhecidos escritos de forma errada, tatuagens em locais que ficam sempre aparentes.
Atualmente, existem pelo menos dois processos para reparar uma tatuagem que virou alvo de arrependimento, a remoção a laser, procedimento que em cinco sessões apaga o desenho sem deixar cicatrizes; ou o cover-up, também conhecido como “tattoo-changing”, que consiste em cobrir a tatuagem com outra.
Em 2015, o Quanta System Observatory, um dos maiores centros de pesquisa em laser e sistema ótico do mundo, divulgou uma pesquisa na qual mostrava que metade dos "arrependidos" preferem substituir uma tatuagem por outra e 26% deles camuflam parte do desenho para apagá-lo ou modificar o significado.
Samya é uma das pessoas arrependidas. Após quatro anos de relacionamento, a belenense achou justo fazer uma homenagem ao companheiro. Mas apenas um nome não era suficiente. Após uma pesquisa na internet, ela achou um desenho diferente que a agradou. Era um coração preenchido com o nome do casal, “eu te amo” em vários idiomas e corações menores que completavam a forma do maior. “Eu achava que a gente ia casar, que ia ser pra sempre”, explica.
A homenagem bem aceita pelo namorado também foi alvo de críticas por aqueles mais próximos. “Teve amigo dele que perguntou pra quê eu tinha feito aquilo, com certeza teve aquele que pensou ‘essa menina deve ser louca’, mas teve gente que achou bacana e os que não falaram nada. Teve gente que perguntou ‘e se acabar?’, no que eu respondia ‘se acabar, apaga’”.
Foi mais ou menos o que aconteceu dois anos depois. Com o fim do relacionamento e a impossibilidade de ter volta, era chegada a hora de cumprir a palavra. A oficial de máquinas, então, decidiu pelo cover-up, opção que se mostrou bem mais complicada do que parecia no início devido ao tamanho da antiga tatuagem, a quantidade de detalhes e o tom escuro da pele. “Eu olhei milhões de flores de lótus, um monte colorida, mas não ia fazer colorida porque não ia pegar. Melhor fazer uma preto que fica melhor”.
Mesmo com toda a pesquisa, a flor não foi capaz de cobrir o coração e apenas depois de muita conversa e discussão com o tatuador escolhido, Júnior Animal, a tatuagem finalmente foi decidida, uma carpa, aprovada e desenhada em dolorosas três sessões.
Foi na segunda sessão de cover-up que conheci Samya. O coração ainda estava à mostra, porém sobreposto com o contorno do desenho que iria removê-lo de vez do ombro. Durante o procedimento, enquanto a agulha perfurava a pele já marcada, a expressão da belenense variava entre o desconforto da dor e a satisfação pela nova tattoo. Como a carpa era muito grande e detalhada, e não havia possibilidade de finalizá-la ainda naquele dia, ela fez apenas uma exigência: pelo menos tira isso logo de mim”.
No dia seguinte à inserção do último pigmento de tinta, Samya estava prestes a fazer mais uma mudança em sua vida: de endereço. A belenense fez as malas e embarcou rumo à Austrália. “Tô indo fazer um intercâmbio de quatro meses, mas com a cabeça aberta para ficar até um ano”. De certeza, só a próxima tatuagem. “Vou fazer patinhas em homenagem às minhas meninas, a Bibi e a Pipoca. Juntar duas coisas que eu gosto que é cachorro e tatuagem”, ri e se despede.