
Dois lados de um inteiro
Ramon Cavalcante, 30 anos
Tatuador e designer gráfico
Na Biologia, uma das características do homem é possuir “simetria bilateral”. Isso implica que, dentre os planos anatômicos que o dividem, existe um chamado “sagital”, responsável pela separação do corpo em duas metades equivalentes: a esquerda e a direita. Lados similares, porém opostos e, portanto, diferentes.
Como destro, o lado direito é aquele mais desenvolvido, cujo extremo é a mão do trabalho. A representação de uma meta de vida já traçada, projetada e desenhada. “Eu sempre planejei, por muito tempo, tatuar só o meu braço direito inteiro, que é por onde eu desenho e ponho as minhas ideias para fora”.
Uma metade que mostra a objetividade inerente ao ser humano. Racional o suficiente para unir conceitos de antropofagia e equilíbrio em um só desenho. Responsável pelo domínio de instrumentos e cores que guiam o ofício da criação. Entretanto, a criação é uma qualidade ligada à emoção, atributo canhoto do cérebro.
“Depois desse plano do braço direito, que eu nem terminei ainda, comecei a achar que ele era muito certinho pra me representar. Porque eu tenho tudo isso, mas não é tão organizado assim. Aí eu decidi que ia fazer do braço esquerdo um caderno de rabiscos”.
A emoção é a mãe do efêmero. E são os instantes que compõem a memória afetiva, as marcas lembradas com carinho e saudosismo por toda a vida, então, por que não externá-los? Uma letra de música significativa, uma passagem de um texto especial, um desenho agradável, uma crença sideral.
“Eu fui migrando de achar que a tatuagem essa coisa muito perene, séria, que você tinha que pensar em algo que queria para sempre no seu corpo, e pensar mais como uma marca daquele momento no tempo mesmo. Naquela hora você queria aquilo, mesmo que seja uma coisa que dez anos depois você olhe como algo ridículo. Qual a diferença disso e olhar uma fotografia de dez anos anos atrás e se achar ridículo?”
Direita e esquerda, razão e emoção, lógico e controverso, perene e efêmero, negação e afirmação. Dicotomias formadas por metades de opostos e complementares que, em conjunto, formam um todo único, complexo e cheio de possibilidades.