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O professor explica que a identidade de uma pessoa é composta por um conjunto de personagens criados para casa espaço de convivência

O professor explica que a identidade de uma pessoa é composta por um conjunto de personagens criados para cada espaço de convivência

Aluísio também possui uma persona marcada com duas tatuagens: um dragão que ele mesmo desenhou e planeja aumentar, e uma frase de um poema alemão - que deveria ser maior, mas foi interrompida por causa da dor.

O ser marcado

Fazer uma tatuagem é construir uma nova persona que te acompanha por todos os lugares

 

Pessoas tatuadas acabam sendo estigmatizadas. Elas carregam uma marca, uma cicatriz deixada por ferida - e tatuagem é feita através da pigmentação de uma série de arranhões. Isso acontece porque, apesar de a mentalidade social ter mudado e se tornado mais receptiva ao longo dos anos, ela ainda é contraditória. Se por um lado ela estimula a individualização do sujeito, por outro, ainda se choca com qualquer mudança de padrão predeterminado.

 

Apesar da valorização do culto ao corpo, transformá-lo só é bem aceito quando significa adequar-se ao que é considerado arquétipo de beleza e perfeição pela coletividade: corpo magro, rígido, jovem, torneado e saudável. Entretanto, lidar com o físico de forma própria e diferenciada - tatuagem, piercing, implante, escarnificação - é encarado como reflexo de uma identidade rebelde.

 

Entretanto identidade não é algo definitivo e soberano capaz de determinar uma pessoa por completo. Ela é mutável, complexa. “Identidade não é um objeto, não é uma coisa. É um conjunto de várias posições e posicionamentos que a gente apresenta performaticamente no nosso cotidiano e que concomitantemente vai ser reconhecido por outros como nossa forma de individualidade dependendo de uma determinada representação de si”, define Aluísio Ferreira de Lima, professor de Psicologia da Universidade Federal do Ceará.

 

Atualmente, a Psicologia defende que a identidade é formada a partir de uma soma de personagens que o indivíduo cria e desenvolve de acordo com o local e grupo no qual está inserido. Cria-se assim personas para o trabalho, família, esporte, amigos, hobby, etc. Para cada espaço e tribo nos quais o ser humano frequenta e interage, ele seleciona o personagem adequado para ser aceito da melhor forma possível naquele ambiente.

 

“Por exemplo, agora eu fui procurado na condição de professor. Se a gente parasse por aqui você levaria a ideia de que o Aluísio é professor e teria essa marca de quem eu sou. Num outro contexto, relacionado ao judô ou jiu-jitsu, alguém iria falar comigo para pegar uma dica sobre uma chave de braço, ou um estrangulamento. Ou então de games, se me visse jogando online. Todas essas coisas são quem eu sou e ao mesmo tempo não me resumem, porque eu ainda sou filho, irmão e pai de alguém. Mas a ilusão que a gente tem é a de que, quando se conhece uma pessoa, aquele personagem apresentado é a verdadeira identidade que a representa.

 

O que acaba acontecendo com a tatuagem é que pessoas que não tinham nenhum desenho ou forma estampado na pele e passam a tê-los acabam criando uma nova persona. E, diferente da vestimenta de uma persona, como um terno ou uma camisa, a tatuagem acompanha o indivíduo para todos os lugares. “É como se, inevitavelmente, eu tivesse que ir de quimono para todos os lugares que eu fosse. Então, chegar numa conferência de Psicologia de quimono geraria um problema a mais de eu ter que garantir a legitimidade do meu espaço ali”.

 

Entretanto não é possível estipular um padrão de comportamento e tendências que iriam influenciar alguém a riscar-se ou não, uma vez que não há uma única motivação que estimule a ação. “A tatuagem é uma marca no corpo que pode ser para uma integração social, tribal, de um determinado grupo ou movimento; ela pode ser involuntária, que aí tem haver com você ser marcado por estar em determinado espaço, como as tatuagens da cadeia, onde o preso é tatuado mesmo que não queira; e tem as tatuagens artísticas, mais individuais que têm  relação direta com algum objetivo ou característica singular de cada pessoa”.

 

Significado

 

Independente da razão que estampou uma imagem na pele, toda marca no corpo tem uma história. Entretanto, bem como a propensão à comunicação de cada um - ser tímido ou extrovertido -, a tatuagem não é algo que simbolize um desejo de se justificar. Ela é algo importante que se quer lembrar, seja efêmero ou mais profundo, mas também pode ser uma armadilha auto-infligida, por ficar à mostra. “Eu fico mostrando para todo mundo que tem algo ali que eu tenho pra falar ou que eu sinto, mas que não necessariamente eu quero compartilhar”.

 

A tatuagem denota uma significação para quem faz e, de certa maneira, gera uma expectativa de significado para quem vê. E enquanto para algumas pessoas essa interpelação pode ser algo problemático, para outras é exatamente o oposto, uma abertura para se comunicar. “Há pessoas que são extremamente introvertidas, mas se você for falar das tatuagens que elas têm, você vai ficar horas conversando, porque ela vai falar, inclusive, de todo o processo que a levou a fazer aquele desenho”.

 

Impacto social

 

A expectativa social também reflete no comportamento que elas esperam que o indivíduo tenha frente à comunidade. Isso explica porque as tattoos são melhor aceitas em determinadas áreas profissionais e em outras não. Existem determinados grupos e lugares que são mais tradicionais que outros, o que acaba gerando esses conflitos. O médico, por exemplo, é socialmente atribuído como pertencente a um espaço asséptico, por isso não se aceita nada que vá além de um corpo saudável. Já a imagem de um tatuador é acompanhada pela promessa de ser composta por vários desenhos e cores.

 

“Uma contradição louca é que no exame dermatológico da polícia, até hoje, você é reprovado se tiver uma tatuagem. Mas quando o cara entra na Polícia Federal, principalmente, ele passa no concurso e lota o corpo de tatuagem e não tem nenhum problema, porque a imagem que se construiu de um policial federal é o de durão, lutador, o que permite que ele tenha essas marcas que, inclusive, reforça essa representação que ele quer passar. Por outro lado, a forma como se recruta e se constrói a filosofia do que é o espaço militar, mantem ainda a ideia de que a pessoa moralmente boa não tem nenhuma tatuagem, pois se ela tiver, deveria ser bandido”.

 

A mesma mentalidade acompanha o incômodo de se olhar para um idoso com tatuagens. “O velho é estigmatizado porque ele é visto como uma deformação do jovem”. Espera-se que o idoso seja alguém que não vai fazer muita coisa, com uma imagem construída por um corpo imaculado e sabedoria, uma pessoa serena que possa dar conselhos. Como a tatuagem é vinculada com rebeldia e escolhas erradas na vida, imaginar um velho tatuado é interferir na imagem coletiva que se tem do idoso.
 

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