
Dia 1 - Primeiras impressões
O expediente começa por volta das 13h, horário em que o estúdio abre as portas oficialmente. O Kaleidoscope Studio fica localizado na Rua Franklin Távora, número 604, em frente à Praça da Bandeira, ainda no Centro de Fortaleza. O estúdio tem uma fachada simples e sóbria, podendo passar despercebido por aquele transeunte mais desatento naquela rua predominantemente residencial. Mas uma rápida olhadela para cima revela a placa que estampa o nome do local.
Passando a grade de ferro e a porta de vidro, porém, o lugar começa a mostrar sua verdadeira essência. Difícil dizer o que se destaca mais, a parede em mosaico ou as pintadas em vermelho. Cheguei lá por volta das 14h e fui recebida por Patrícia, a recepcionista de cabelo colorido do Kaleidoscope e pessoa com a qual combinei todos os detalhes das visitas. Após finalmente darmos imagem aos nomes e vozes, foi a hora de fazer um tour pelo estabelecimento.
Além das paredes bonitas, a recepção ainda tem um sofá, como em qualquer sala de espera e uma estante com placas e produtos relacionados à tatuagem e ao graffiti. Em frente, a bancada da Patrícia, com computador, agendas, telefone e alguns cartões de visita. Nas laterais atrás da bancada, uma porta preta à esquerda e um corredor à direita.
A porta leva aos dois primeiros estúdios, de azulejos de tijolos amarelo e uma parede preta, são onde trabalham as “meninas”, Amanda Roosevelt e Isa Montenegro, entretanto nenhuma das duas estavam lá no momento. O corredor é onde funciona a Kaleidoscope Galeria de Arte, que abriga exposições temporárias de arte contemporânea. Na primeira visita, estava em cartaz a exposição "Portas Abertas", de Grafite Luz, com desenhos e gravuras feitos com spray, tinta acrílica, aquarelas, nanquim, canetas esferográficas e outras coisas que eu nunca ouvi falar.
No meio do corredor, uma outra espécie de salinha na qual se vê um graffiti alaranjado, uma estante cheia de tintas spray, uma arara de camisas e algumas prateleiras com tênis expostos. De um lado da sala, a saída do estúdio das meninas, do outo, a porta que leva à sala da Vanessa, massoterapeuta que também trabalha lá.
O fim do corredor revela a copa, o banheiro e a porta que leva a um espaço aberto. Passando pela porta, um novo corredor, um jardim e uma casinha verde com entrada espelhada, o estúdio dos “meninos”, Jr. Animal - um homem por volta dos 40 anos, sereno e sorridente, com os braços bem coloridos, boina e perna mecânica -, e Pedrim Moicano - moreno, com cerca de 30 anos, fala mansa, um sorriso constante no rosto, tatuagens pretas até o pescoço e penteado que lhe emprestava o nome.
Quando entramos na sala e fui apresentada a eles, cada um já estava conversando com seus respectivos clientes. Cheguei, me apresentei, expliquei o projeto e sentei caladinha numa cadeira, num cantinho atrás do Pedrim. O falatório recomeçou e a conferência variava desde a vida pessoal e profissional de cada um até, é claro, tatuagens.
De repente, o cheiro de álcool sobe, sinal de que as atividades iriam começar e a conversa é substituída pelo som de Júnior cantarolando e o silêncio da música ambiente. As mesas são montadas, plásticos colocados e o material exposto. Até que chega uma mulher pedindo o orçamento de uma tattoo. Enquanto isso, Pedrim risca o ombro e parte das costas de um cara que quer programar uma tatuagem.
“Aqui é assim, de vez em quando alguém vem e tira a camisa, aparece mulher só de calcinha”, explica Júnior enquanto mexe no equipamento de trabalho.
No momento em que o homem com o braço riscado vai conferir (e admirar) as marcações feitas a caneta no espelho, Pedrim aproveita para atender a mulher que tinha chegado há alguns minutos. Ela queria fazer uma imagem pequena. “O que seria uma tatuagem pequena pra você, princesa?”. Ela queria coisas completamente diferentes e que não casavam. “É como falar de estrela-do-mar e futebol”. Ela queria um catálogo ou que ele decidisse o que ela iria tatuar. “A gente não faz mais catálogo, porque acha que a tatuagem é um negócio muito sério e pessoal”.
“Ô namoro difícil o dessa tatuagem”, exclamou a confeiteira. Mas apesar da dificuldade, parecia satisfeita com o rumo da conversa. “A primeira visita tem que ser mesmo pra pessoa criar empatia. Imagina ser tatuada por alguém que tu nunca viu na vida ou ir num estúdio e não saber nem se ele vai tá limpo”.
Aparentemente a confeiteira decidiu por fazer algo oriental, uma homenagem à filha que estava morando no Japão. A tarefa de casa, então, era decidir entre uma cerejeira ou um kanji que representasse a família ou a letra M. “Mas aí você pesquisa o símbolo e traz a imagem. Nesse caso do caractere, a gente só pode se responsabilizar por tatuar o desenho. Você pode pedir pra sua filha, que tem como lhe dar a referência correta já que ela tá lá”. Concordou e saiu.
Com a saída da cliente indecisa, o cara com os rabiscos nas costas, Eric, decidiu passar a agulha. “Essa aí vai entrar pra história, viu? Veio acertar e riscou”, brincou Animal.
O clima de descontração foi interrompido no momento em que a impressora para stencil (decalque) não funcionou no desenho que era muito grande e detalhado que demoraria muito para ser desenhado à mão. “A tecnologia até ajuda bastante, mas tem hora que não funciona…”, reclama resignado. Outro problema era o tamanho do desenho, um tanto pequeno para a perna. “Patrícia, vai lá na gráfica e pede pra imprimir com ampliação de 20%, por favor”.
Do outro lado, Eric já planejava as etapas da tatuagem. “A gente faz logo toda a grade, né Pedrim, e depois marca um dia pra sombrear. Aparentemente, clientes antigos já entendem bem como funciona a feitura de uma tattoo.
Enquanto Patrícia não volta, Júnior aproveitou para apresentar o material 100% descartável - agulhas, lâminas ou aparelhos para raspagem de pelos, biqueiras, batoques de tintas, luvas, plástico que cobre os fios, mesa, maca e os objetos de manejo (como o álcool e o aseptol) -, tudo de acordo com as recomendações da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Também foi apresentada a “Ficha de Análise Médica”, ou “Ficha de Anamnese” na qual o cliente prenche um questionário e revela se tem diabetes, doenças infecto-contagiosas, epilepsia, histórico de convulsões, hemofilia, problema de cicatrização, vitiligo, reações alérgicas, marcapasso, hipersensibilidade a componentes químicos, pressão alta ou baixa, propensão a queloide, efeito ou dependência de álcool ou drogas, toma remédio controlado, está grávida. As opções podem variar de acordo com o estúdio.
O silêncio se instalou, quebrado apenas pelo ritmo do rock vindo das caixas de som. Pedrim tatuava e Animal trabalhava no stencil. “Tirei tudo na mão. Mas não vou chorar porque a gente tá aqui é pra se divertir”. A segunda máquina é ligada.
Com os dois tatuadores desenhando, era hora de analisar o rosto dos clientes. O que está fazendo a tatuagem na perna, estava sereno e indiferente. Eric, por sua vez, apresentava um semblante de dor e mordia a camisa. “Tá mó limpeza. A careta é só enxame”.
Não consegui ver os desenhos terminados; tive que ir embora. Mas tudo bem, haveria outros dias.

Patrícia, a recepcionista do estúdio

O Kaleidoscope também funciona como uma galeria de arte

Além de todo o equipamento de biossegurança, também é indispensável em um estúdio livros de arte e um aparelho de som para descontrair o ambiente

Patrícia, a recepcionista do estúdio